- Author, Margarita Rodríguez
- Role, BBC News Mundo
Depois de brilhar no ensino primário, repetiu a dose no ensino médio.
No último ano, aquele adolescente se especializou em Matemática e ganhou um concurso nacional, ao resolver um problema formulado, ninguém mais, ninguém menos, por Blaise Pascal (1623-1662), em uma carta escrita para Pierre de Fermat (1607-1665).
Não estamos falando de Albert Einstein (1879-1955), mas de Henri Bergson (1859-1941). Ele tinha grande talento para a Matemática, mas preferiu desenvolver carreira em Ciências Humanas.
Bergson se transformou em um dos filósofos mais eminentes do início do século 20. De fato, ele chegou a ser uma espécie de celebridade global.
Conta-se que uma das suas apresentações na Universidade de Columbia, em Nova York (Estados Unidos), gerou tanto entusiasmo que causou o primeiro engarrafamento de trânsito na Broadway, como registra o escritor Mark Sinclair, no seu livro Bergson.
Em 6 de abril de 1922 e em um mesmo recinto, Einstein e Bergson trocaram suas ideias – opostas – sobre o tempo.
Einstein era famoso e já havia publicado sua teoria da relatividade. Mas “Bergson tinha bons motivos para se sentir mais poderoso do que seu rival”, destaca Jimena Canales em seu livro The Physicist and the Philosopher (“O físico e o filósofo”, em tradução livre).
O pensador francês, quase 20 anos mais velho que Einstein, era renomado pela sua teoria sobre o tempo.
Canales é historiadora de Ciência. Ela conta à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) que, naquele dia, o grande físico conheceu “um homem que nunca mais iria esquecer”.
O encontro
Einstein havia chegado a Paris, na França, procedente de Berlim, na Alemanha. Ele iria participar de vários eventos, incluindo o promovido pela Sociedade Francesa de Filosofia, que o convidou para expor seu ponto de vista sobre o espaço e o tempo.
Aquele dia 6 de abril foi uma “data extraordinária” para o físico, indica Canales. Ela destaca que havia motivos para que ele ficasse nervoso.
Depois da Primeira Guerra Mundial (1939-1945), as relações entre as comunidades científicas da Alemanha e do exterior eram quase inexistentes. E a situação sociopolítica era ainda mais delicada.
“Mas, sobretudo, estava no público de uma das suas palestras uma pessoa mais reconhecida do que ele”, conta a historiadora. “Atualmente, o nome de Einstein é mais conhecido, mas, naquele momento, era o contrário.”
Outro fator era o idioma. O físico falava bem francês, mas não se sentia totalmente confortável naquela língua.
Einstein falou primeiro. Bergson havia planejado não intervir, mas foi praticamente empurrado por um de seus alunos.
“Concretamente, parece-me que o problema do tempo não é o mesmo para Einstein e para Bergson”, disse o filósofo francês Édouard Le Roy (1870-1954), que convidou Henri Bergson a tomar a palavra.
Bergson “respondeu com relutância”, disse a historiadora. “Ele insistiu que estava ali para ouvir”, como havia feito no dia anterior, na conferência que o físico havia oferecido no Collège de France.
A frase
Bergson estudava a teoria da relatividade há uma década. Ele estava a ponto de publicar o livro Duração e Simultaneidade, sobre a teoria de Einstein.
Sua intervenção durou cerca de 20 minutos. O filósofo elogiou e felicitou Einstein. Sua intenção não era criticar sua teoria, nem mesmo levá-lo a debater com ele.
“Não apresento nenhuma objeção contrária à sua teoria da simultaneidade, nem contra a teoria da relatividade geral”, ele disse. “O que quero expor é simplesmente isto: quando admitimos que a teoria da relatividade é uma teoria física, nem tudo é fechado.”
Ou seja, para Bergson, a Filosofia ainda tinha seu espaço. Mas Einstein sentenciou: “O tempo dos filósofos não existe.”
“Esta frase, este momento, marcou a passagem do bastão do estudo filosófico do tempo para o estudo científico”, explica Canales.
“Abriu-se uma caixa de Pandora sobre a relação entre a Ciência e a Filosofia. Aquele dia se transformou em um debate que durou o restante do século e reflete uma das divisões mais importantes do século 20: as Ciências Exatas e as Humanas.”
A pesquisadora escreveu que “durante o encontro pessoal entre o maior filósofo e o maior físico do século 20, o público aprendeu a ser ‘mais einsteiniano do que Einstein'”.
Qual a diferença entre eles?
Mark Sinclair, professor de Filosofia da Universidade Queen’s de Belfast (Reino Unido) explica à BBC News Mundo as concepções de tempo de Bergson e Einstein.
“Bergson se concentrou na experiência vivida do tempo e defendeu que esta experiência não pode ser reduzida ao tempo quantificado”, segundo ele, “e, portanto, ao tempo medido pelos relógios.”
“Existe uma experiência puramente qualitativa e subjetiva da passagem do tempo, antes de chegarmos a quantificá-lo, mas esta é a verdade do tempo e não uma mera deformação subjetiva de um fato originalmente objetivo.”
A visão do tempo de Einstein, segundo o especialista, é quase diametralmente oposta à do filósofo.
O físico considerava que a experiência da passagem do tempo é “secundária, até ilusória, e a verdade do tempo residia além da experiência individual”.
“O espaço e o tempo haviam sido considerados constantes”, prossegue Sinclair.
“Mas, quando se descobriu que a velocidade da luz é um constante invariável, Einstein, para assegurar a objetividade da física, estava disposto a imaginar que o tempo e o espaço não são o que nós pensávamos que fossem. Eles se ‘dilatam’ conforme o marco de referência de cada um e segundo a velocidade em que se viaja.”
Foi assim que o físico chegou à noção de “espaço-tempo”, na qual o tempo é outra dimensão do espaço.
Bergson sobre o tempo de Einstein
O professor destaca que, para Bergson, a concepção de tempo de Einstein era apenas “uma radicalização de uma tendência de sentido comum, ao tratar do tempo como espaço”.
“Acreditamos que o tempo consiste em passado, presente e futuro”, prossegue Sinclair, “mas, quando separamos estes três aspectos e os representamos em uma linha do tempo, na verdade, nós espacializamos o tempo. No tempo, não há linhas, para isso é preciso ter o espaço.”
O tempo de Einstein, destaca Sinclair, é um tempo que não podemos vivenciar.
“Não posso experimentar a dilatação do tempo”, explica ele, “só posso pressupor que o espaço e o tempo estejam se dilatando para a pessoa que se afasta de mim a milhares de quilômetros por segundo.”
Para Einstein, era preciso que ele se dilatasse, pois, do contrário, “a física ficaria em um emaranhado impossível”.
Já Bergson reconhecia que aquela era uma teoria interessante, mas, para ele, continuava sendo exatamente isso: uma teoria.
Mais do que um ponteiro
A resposta de que o tempo é o que marca o relógio parecia para Bergson “realmente absurda e infantil, pois os relógios foram feitos para medir o tempo”, segundo Canales.
Ou seja, Bergson considerava esta definição uma circularidade.
Como fazemos com qualquer outro instrumento de medição, nós “lemos” os relógios. E Bergson compreendia esta leitura de forma filosófica.
“Não era simplesmente uma agulha apontando para um número, como diz a definição de Einstein”, explica a historiadora.
O pequeno ponteiro do relógio marcando o número 7 representava para Bergson “uma leitura que exigia educação e memória – recordar o que é o número 7, o que é a agulha”.
Canales explica que Bergson se aprofundou nas bases filosóficas e metafísicas por trás da teoria da relatividade. Mas Einstein não queria falar dessas bases.
Para o filósofo, não seria possível ter uma sociedade baseada em “acreditar na Ciência como tal, sem um olhar crítico, histórico, social e político”. Bergson escreveu que “o tempo é o que se faz e até o que faz com que tudo seja feito”.
Canales destaca que, para o pensador, o tempo dos relógios é um aspecto do tempo real e o tempo compreendido de forma mais profunda faz com que este tempo surja.
Os gêmeos
Em Duração e Simultaneidade, Bergson abordou o paradoxo dos gêmeos, uma chave da teoria de Einstein.
O físico teórico Carlo Rovelli explica o paradoxo no seu livro E Se o Tempo Não Existisse? (Ed. 70, 2022):
“Se um dos gêmeos viajar a grande velocidade, afastando-se do outro, e depois regressar, eles terão idades diferentes quando se encontrarem: o que nunca mudou de velocidade será o mais velho.”
“Foram realizados experimentos concretos (não com gêmeos, mas com relógios idênticos muito precisos, a bordo de aviões rápidos) e, todas as vezes, foi comprovado que o mundo funciona exatamente como entendeu Einstein: os dois relógios marcam horas diferentes, quando se reúnem novamente.”
Mas voltemos ao filósofo. Bergson defendeu no seu livro que este atraso de um relógio em relação ao outro não existia.
“Mas seu ponto era muito mais profundo que um comentário simplesmente técnico”, explica Canales.
“Seu ponto era que, neste exemplo, Einstein confundia relógios com pessoas, com viajantes, e confundia o tempo marcado por um relógio com o tempo vivido e, para pensar na relação entre o tempo vivido e o tempo do relógio, seria preciso pensar na relação entre as máquinas, o material, e o ser humano, o ser vivo.”
“Ao considerar que o que marca um relógio e o que vive temporalmente um ser vivente é o mesmo, Einstein caía no mesmo erro cartesiano de equiparar os seres humanos com as máquinas.”
Bergson não questionou as afirmações científicas de Einstein sobre a relatividade. O que ele contestou foi a forma de interpretação do físico, segundo a pesquisadora. Ele acreditava que era “uma metafísica enxertada na Ciência”.
Para o filósofo, o tempo não deveria ser entendido unicamente através da Ciência.
Einstein sobre o tempo de Bergson
A posição de Einstein em relação a Bergson era que a Filosofia tinha outra visão do tempo que “por não ser objetiva, também não era real”, segundo Jimena Canales. “Ela tinha a ver com as ideias e, portanto, não se limitava à realidade.”
Segundo Mark Sinclair, o físico se opunha à ideia de que a Filosofia tivesse direito legítimo a um tempo que só ela pudesse abordar.
“Para Einstein, o tempo do físico não é radicalmente diferente do tempo psicológico e, segundo sua explicação, a Ciência pode nos informar sobre a natureza do tempo de forma muito simples.”
A polêmica ocorrida no encontro de Paris e o livro de Bergson fizeram com que os seguidores de Einstein passassem a ser fortes críticos do filósofo.
O professor destaca que, na segunda edição de Duração e Simultaneidade, Bergson afirmou que havia sido mal interpretado e esclareceu a questão.
Mas os questionamentos relativos ao filósofo continuaram. Estes e outros fatores fizeram sua figura começar a decair.
“De forma geral, considerava-se que Bergson havia perdido a discussão com Einstein”, declarou o professor.
“Em outras palavras, considerava-se que, de alguma forma, a Ciência havia triunfado sobre a Filosofia. E chegou-se a pensar que, se quisermos aprender sobre a natureza do tempo, deveríamos recorrer aos físicos e não aos filósofos.”
Canales garante que o que havia sido transformado em “uma espécie de concorrência entre dois titãs sobre quem tinha autoridade para falar do tempo” terminou no momento em que a Ciência tomou o tema da Filosofia para si.
Paradoxo particular
Na apresentação do prêmio, o presidente do Comitê do Nobel comentou: “Não é nenhum segredo que o famoso filósofo Bergson contestou esta teoria em Paris.”
Quando era professora na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, Jimena Canales escreveu O Físico e o Filósofo. Ela achou fascinante resgatar o encontro entre os dois personagens que não conseguiram conciliar suas visões.
“Bergson continuou pensando da mesma forma e não voltou a fazer comentários públicos sobre Einstein ou sua teoria”, disse a escritora. “Einstein continuou criticando Bergson em cartas que enviou a terceiros.”
Duração e Simultaneidade se tornou uma espécie de “livro ruim” porque “a leitura comum” foi de que Bergson havia se equivocado na sua interpretação da teoria da relatividade e isso, segundo Canales, foi uma visão “simplista demais”.
Aprofundar-se naquele livro foi revelador, bem como ler os escritos do físico.
“Einstein acaba lendo o livro de Bergson e escreve, no seu próprio diário de viagem, que acredita que Bergson entendeu a teoria perfeitamente bem”, explica Canales.
“Como historiadora, eu me surpreendi muitíssimo ao ler a correspondência particular de Einstein, que sua descrição do tempo era muito bergsoniana. Para Einstein, frequentemente faltava o tempo e ele pensava que o tempo passava mais rápido do que ele queria.”
“Fica claro que ele sentia este paradoxo de forma pessoal, muito íntima. Havia questões sobre o tempo que ele não conseguia compreender, nem explicar.”