- Author, William Park
- Role, BBC Future
Pouco depois das 17h do dia 18 de novembro de 1929, o chão começou a tremer.
Ao longo da costa da Península de Burin, ao sul da ilha de Terra Nova, no Canadá, um terremoto de magnitude 7,2 perturbou a paz daquela noite. Inicialmente, os moradores notaram apenas alguns danos — algumas chaminés derrubadas.
No mar, no entanto, uma força invisível estava se movendo. Por volta de 19h30, um tsunami de 13 metros de altura atingiu a costa da Península de Burin. No total, 28 pessoas morreram em decorrência de afogamentos ou ferimentos causados pelas ondas.
O terremoto foi devastador para as comunidades locais, mas também teve um efeito duradouro no mar. O abalo sísmico desencadeou um deslizamento de terra submarino.
As pessoas não perceberam isso na época, sugerem os registros históricos, porque ninguém sabia que tais deslizamentos de terra subaquáticos existiam.
Quando os sedimentos são agitados por terremotos e outras atividades geológicas, a água fica mais densa, gerando um fluxo descendente, como uma avalanche de neve montanha abaixo. O deslizamento de terra submarino — chamado corrente de turbidez —– fluiu a mais de 1.000 km de distância do epicentro do terremoto, a uma velocidade entre 11 e 128 km/h.
Embora o deslizamento de terra não tenha sido notado na época, deixou uma pista reveladora. Na sua rota, estava o que havia de mais moderno em tecnologia de comunicação da época: cabos submarinos transatlânticos. E esses cabos se romperam. Doze deles foram partidos em 28 lugares no total.
Algumas das 28 rupturas aconteceram quase simultaneamente com o terremoto. Mas outras 16 ocorreram ao longo de um período muito mais longo, à medida que os cabos se rompiam um após o outro, em uma espécie de padrão misterioso de ondas, de 59 minutos após o terremoto até 13 horas e 17 minutos depois, e a mais de 500 quilômetros de distância do epicentro.
Se todos tivessem sido rompidos pelo terremoto em si, os cabos teriam se rompido ao mesmo tempo — então os cientistas começaram a se perguntar: por que não se romperam? Por que se romperam um após o outro?
Só em 1952 que os pesquisadores descobriram por que os cabos se romperam em sequência, ao longo de uma área tão grande e em intervalos que pareciam diminuir com a distância do epicentro. Eles descobriram que um deslizamento de terra os atingiu, e que os cabos que se rompiam traçaram seu movimento pelo fundo do mar.
Até então, ninguém sabia da existência das chamadas correntes de turbidez.
Como esses cabos se romperam e havia um registro do momento em que se partiram, eles ajudaram a entender os movimentos oceânicos acima e abaixo da superfície. Eles motivaram um trabalho de reparo complexo, mas também se tornaram instrumentos científicos acidentais, registrando um fenômeno natural fascinante que estava fora do alcance da vista humana.
Nas décadas seguintes, à medida que a rede global de cabos de águas profundas se expandiu, seu reparo e manutenção resultaram em outras descobertas científicas surpreendentes, abrindo mundos totalmente novos, e nos permitindo espiar o fundo do mar como nunca antes, além de nos permitir comunicar em velocidade recorde.
Ao mesmo tempo, nossa vida cotidiana, rendimentos, saúde e segurança também se tornaram cada vez mais dependentes da internet — e, em última análise, desta complexa rede de cabos submarinos. Mas, afinal, o que acontece quando eles se rompem?
Como nossos dados trafegam
Há 1,4 milhão de quilômetros de cabos de telecomunicações no fundo do mar, abrangendo todos os oceanos do planeta.
Estendidos de uma extremidade à outra, estes cabos — responsáveis pela transferência de 99% de todos os dados digitais — poderiam dar uma volta ao redor do Sol. Mas para algo tão importante, são surpreendentemente finos — muitas vezes, com pouco mais de 2 cm de diâmetro, ou aproximadamente a largura de uma mangueira.
Uma repetição do rompimento de cabos em massa de 1929 teria impactos significativos na comunicação entre a América do Norte e a Europa.
No entanto, “em grande parte, a rede global é notavelmente resistente”, diz Mike Clare, consultor ambiental marinho do Comitê Internacional de Proteção de Cabos, que pesquisa os impactos de eventos extremos em sistemas submarinos.
“Há de 150 a 200 casos de danos à rede global a cada ano. Portanto, se compararmos com 1,4 milhão de quilômetros, não é muito e, na maioria das vezes, quando esses danos ocorrem, eles podem ser consertados com relativa rapidez.”
Mas como a internet funciona com cabos tão finos e evita panes desastrosas?
Desde que os primeiros cabos transatlânticos foram instalados no século 19, eles têm sido expostos a eventos ambientais extremos, desde erupções vulcânicas submarinas até tufões e inundações. Mas a principal causa dos danos que sofrem não é natural.
A maioria das falhas — de 70 a 80%, dependendo do lugar no mundo — está relacionada a atividades humanas acidentais, como lançar âncoras ou redes de pesca de arrasto, que acabam ficando presas nos cabos, diz Stephen Holden, chefe de manutenção da Europa, Oriente Médio e África na Global Marine, uma empresa de engenharia submarina que atua na reparação de cabos submarinos.
Em geral, estes acidentes acontecem em profundidades de 200 a 300 metros (mas a pesca comercial está avançando para águas cada vez mais profundas, em alguns lugares, chegando a 1.500 metros no nordeste do Atlântico).
Somente de 10% a 20% das falhas nos cabos a nível mundial estão relacionadas a ameaças naturais e, na maioria das vezes, estão relacionadas ao desgaste dos cabos em locais onde as correntes fazem com que eles resvalem contra as rochas, causando o que é chamado de “falhas de derivação”, diz Holden.
A ideia de que os cabos se rompem porque são mordidos por tubarões é hoje uma espécie de lenda urbana, acrescenta Clare.
“Houve casos de danos causados por mordidas de tubarões, mas isso já acabou, porque a indústria dos cabos utiliza uma camada de Kevlar (tipo de fibra sintética) para reforçá-los.”
No entanto, os cabos devem ser mantidos finos e leves em águas mais profundas para ajudar na recuperação e no reparo. Transportar um cabo grande e pesado ao longo de milhares de metros abaixo do nível do mar colocaria uma enorme pressão sobre ele. Os cabos mais próximos da costa tendem a ser mais blindados, porque têm mais chance de serem danificados por redes de pesca e âncoras.
Um exército de navios de reparo a postos
“Todas essas embarcações estão estrategicamente posicionadas ao redor do mundo para que o trajeto entre a base e o porto seja de 10 a 12 dias”, explica Mick McGovern, vice-presidente adjunto de operações marítimas da Alcatel Submarine Networks.
“Você tem esse tempo para descobrir onde está a falha, carregar os cabos [e os] amplificadores de sinal” — que aumentam a força de um sinal à medida que ele trafega pelos cabos.
“Em essência, quando você pensa no tamanho do sistema, não é preciso esperar muito”, ele acrescenta.
Embora tenha demorado nove meses para consertar o último cabo submarino danificado pelo terremoto de 1929, McGovern diz que um reparo moderno em águas profundas deve levar uma ou duas semanas, dependendo da localização e do clima.
“Quando você pensa na profundidade da água e onde está, não é uma solução ruim.”
Isso não significa que um país inteiro vai ficar sem internet por uma semana. Muitas nações possuem mais cabos e mais largura de banda dentro desses cabos do que a quantidade mínima exigida, de modo que, se alguns forem danificados, os outros possam compensar. Isso é chamado de redundância no sistema.
Devido a essa redundância, a maioria de nós nunca perceberia se um cabo submarino fosse danificado — talvez este artigo demorasse um ou dois segundos a mais para carregar do que o normal.
Em eventos extremos, pode ser a única coisa que mantém um país online.
O terremoto de magnitude 7 na costa de Taiwan, em 2006, rompeu dezenas de cabos no Mar do Sul da China — mas alguns permaneceram online.
Para reparar o dano, o navio utiliza um arpéu, ou gancho, para levantar e cortar o cabo, puxando uma extremidade solta até a superfície, e enrolando-a na proa com grandes tambores motorizados.
A parte danificada é então arrastada até uma sala interna e analisada em busca de falhas, reparada, testada (enviando um sinal para terra firme a partir do barco), selada e, em seguida, presa a uma boia enquanto o processo é repetido na outra extremidade do cabo.
Uma vez que as duas extremidades são consertadas, cada fibra óptica é emendada sob microscópio para garantir que haja uma boa conexão — e, na sequência, são vedadas com uma junta universal que é compatível com o cabo de qualquer fabricante, facilitando a vida das equipes de reparo internacionais, explica McGovern.
Os cabos reparados são colocados de volta na água e, em águas mais rasas, onde pode haver mais tráfego de barcos, são enterrados em valas. Veículos subaquáticos operados remotamente (ROV, na sigla em inglês), equipados com jatos de alta potência, podem abrir trilhas no fundo do mar para a instalação dos cabos.
Em águas mais profundas, o trabalho é feito por arados equipados com jatos, arrastados ao longo do leito marinho por grandes embarcações de reparo acima.
Alguns arados pesam mais de 50 toneladas e, em ambientes extremos, são necessários equipamentos ainda maiores.
McGovern se lembra de um trabalho no Oceano Ártico, que exigiu que um navio arrastasse um arado de 110 toneladas, capaz de enterrar cabos de 4 metros e penetrar no permafrost.
Ouvidos no fundo do mar
A instalação e o reparo dos cabos levaram a algumas descobertas científicas surpreendentes — a princípio de forma acidental, como no caso dos cabos rompidos e do deslizamento de terra, e mais tarde, intencionalmente, quando os cientistas começaram a usar os cabos de propósito como ferramentas de pesquisa.
Essas lições das profundezas do mar começaram quando os primeiros cabos transatlânticos foram instalados no século 19.
Os operadores de cabos notaram que o Oceano Atlântico ficava mais raso no meio, descobrindo sem querer a cordilheira Dorsal Mesoatlântica.
Hoje, os cabos de telecomunicações podem ser usados como “sensores acústicos” para detectar baleias, barcos, tempestades e terremotos em alto mar.
Os danos causados aos cabos oferecem à indústria “uma nova compreensão fundamental sobre os perigos que existem no fundo do mar”, diz Clare.
“Nunca saberíamos que havia deslizamentos de terra no fundo do mar após erupções vulcânicas se não fosse pelos danos causados (nos cabos)”.
Em alguns lugares, as mudanças climáticas estão tornando as coisas mais desafiadoras. As inundações na África Ocidental estão causando um aumento no deságue de sedimentos dos cânions no Rio Congo, que ocorre quando grandes volumes de sedimentos fluem para um rio após uma inundação. Estes sedimentos são então despejados da foz do rio no Oceano Atlântico, e podem danificar os cabos.
“Agora sabemos que devemos colocar os cabos mais longe do estuário”, diz McGovern.
Alguns danos serão inevitáveis, preveem os especialistas.
A erupção vulcânica do Hunga Tonga-Hunga Ha’apai, em 2021 e 2022, destruiu o cabo submarino de internet que conectava a nação insular de Tonga, no Pacífico, ao resto do mundo.
Levou cinco semanas até a conexão com a internet voltar a funcionar totalmente, embora alguns serviços tenham sido restabelecidos após uma semana.
No entanto, muitos países contam com vários cabos submarinos, o que significa que uma falha — ou até mesmo várias falhas — pode não ser percebida pelos usuários da internet, pois a rede pode recorrer a outros cabos em uma crise.
“Isso realmente mostra por que é necessário haver uma diversidade geográfica das rotas de cabo”, acrescenta Clare.
“Especialmente no caso das ilhas pequenas, em lugares como o Pacífico Sul, onde há tempestades tropicais, terremotos e vulcões, elas são particularmente vulneráveis e, com as mudanças climáticas, diferentes áreas estão sendo afetadas de maneiras diferentes.”
À medida que a pesca e o transporte marítimo se tornam mais sofisticados, pode ficar mais fácil evitar danos aos cabos.
O advento do sistema de identificação automática (AIS, na sigla em inglês) no transporte marítimo levou a uma redução nos danos causados pela ancoragem, diz Holden, porque algumas empresas agora oferecem um serviço em que é possível seguir um padrão definido para reduzir a velocidade e ancorar.
No entanto, em regiões do mundo onde os barcos de pesca tendem a ser menos sofisticados e operados por equipes menores, os danos provocados pelas âncoras ainda acontecem.
Nesses locais, uma opção é informar às pessoas onde estão os cabos, e aumentar a conscientização, afirma Clare.
“É para o benefício de todos que a internet continue funcionando.”