- Author, Alessandra Corrêa
- Role, De Washington para a BBC News Brasil
Visitantes do mundo inteiro chegarão à cidade americana de Los Angeles em 2028 para acompanhar os Jogos Olímpicos.
Em meio aos preparativos para o evento, um dos principais desafios será solucionar a crise de falta de moradia que faz com que a cidade tenha uma das maiores populações em situação de rua dos Estados Unidos.
Em 2017, quando Los Angeles foi escolhida como sede da Olimpíada de 2028, cerca de 25 mil pessoas viviam em suas ruas.
O então prefeito, Eric Garcetti, disse que iria reduzir esse número pela metade em cinco anos e que, até a data do evento, a questão teria sido totalmente solucionada.
No entanto, hoje quase 30 mil pessoas vivem nas ruas da cidade. Quando incluídos aqueles em abrigos ou moradias temporárias, o número chega a 45 mil pessoas.
Um dos locais onde a crise é mais visível é a região conhecida como Skid Row, área de 50 quarteirões no centro de Los Angeles onde mais de 4 mil pessoas vivem em situação de rua e que também reúne abrigos e outros serviços para essa população.
Em todo o Condado de Los Angeles, subdivisão administrativa que engloba 88 cidades — entre as quais Inglewood e Long Beach, que também irão abrigar competições olímpicas —, mais de 55 mil pessoas vivem nas ruas e outras 20 mil em abrigos ou moradias temporárias.
Em entrevistas à imprensa americana durante a Olimpíada de Paris, a prefeita de Los Angeles, Karen Bass, disse que esperava “poder usar toda a energia dos Jogos para resolver alguns dos nossos problemas” e citou especialmente a crise de falta de moradia.
“Queremos garantir que todos tenham moradia, porque não queremos que o mundo venha a Los Angeles e veja pessoas morando em nossas ruas”, afirmou, sem dar detalhes de como isso seria feito.
‘Olimpíadas intensificam desigualdades’
Críticos consideram pouco provável que a cidade resolva a crise de falta de moradia até 2028.
“Toda Olimpíada vem com essas sugestões ridículas de que todos os problemas serão solucionados, que vão consertar isso e aquilo, e que tudo estará maravilhoso quando os Jogos chegarem”, diz à BBC News Brasil um dos integrantes da coalizão NOlympics LA, Eric Sheehan.
“E em todas as Olimpíadas se comprova que isso não é verdade”, afirma Sheehan, cujo movimento foi lançado em 2017 com o objetivo de impedir a realização da Olimpíada em Los Angeles.
O temor, dizem críticos, é que os Jogos agravem ainda mais o problema, acelerando a gentrificação e a especulação imobiliária e prejudicando as parcelas mais pobres e vulneráveis da população.
“As Olimpíadas intensificam as desigualdades que já existem em uma sociedade”, diz à BBC News Brasil o cientista político Jules Boykoff, professor da Pacific University, no Estado do Oregon, e autor de seis livros sobre os Jogos Olímpicos.
“E as Olimpíadas são muito duras para os moradores de rua. Quando a imprensa global chega à cidade-sede, as autoridades não querem ser constrangidas por terem pessoas vivendo nas ruas”, afirma.
Sem solucionar o problema a tempo, muitas cidades acabam tentando escondê-lo dos visitantes. Edições recentes, incluindo em Paris, neste ano, e no Rio, em 2016, foram marcadas por críticas sobre a maneira como sem-teto e moradores de áreas mais pobres foram deslocados.
“Isso acontece em todas as Olimpíadas. Não é um problema específico de Los Angeles, de Paris ou do Rio de Janeiro”, diz Boykoff.
O exemplo de 1984
Muitos citam o exemplo da Olimpíada de 1984, também em Los Angeles. Na época, a cidade se preparava para receber a competição pela segunda vez, após ter sido sede dos Jogos em 1932.
Assim como atualmente, a grande população sem-teto era uma preocupação, com pelo menos 36 mil pessoas em situação de rua no Condado de Los Angeles.
As autoridades não queriam que os turistas ficassem com a imagem de uma cidade com ruas ocupadas por sem-teto, mas as medidas adotadas focaram mais em esconder essa população do que em resolver o problema da falta de habitação.
Alguns anos antes do evento, já começaram a ser implementadas leis que proibiam morar nas ruas ou em veículos estacionados.
Nos dias que antecederam a cerimônia de abertura, dezenas de policiais, incluindo cerca de 30 a cavalo, foram enviados à Skid Row para dispersar os moradores de rua.
“Estamos tentando higienizar a área”, disse um capitão de polícia ao jornal Los Angeles Times.
“Os Jogos de 1984 foram terríveis para muita gente [em Los Angeles]”, afirma Sheehan, do NOlympics. “E os Jogos de 2028 também serão.”
‘Ser sem-teto não é crime’
Nas quatro décadas desde que Los Angeles abrigou os Jogos de 1984, o número de acampamentos de sem-teto proliferou.
O problema se repete em várias partes dos Estados Unidos e é resultado de fatores como falta de habitação a preços acessíveis, desigualdade de renda, dificuldades de acesso a tratamento de saúde mental e dependência de drogas.
Em muitas cidades americanas é comum ver pessoas dormindo nas calçadas, dentro de carros ou em barracas improvisadas em locais públicos.
Em alguns casos, se recusam a ir para abrigos, mas muitas vezes não há vagas suficientes. Em Los Angeles, segundo dados de 2023, há somente 16 mil vagas em abrigos.
Mesmo diante da crise, as autoridades prometem que desta vez os preparativos para os Jogos não vão incluir a expulsão de moradores de rua.
O governo da Califórnia vem pressionando cidades a desmontar acampamentos de sem-teto, depois que a Suprema Corte do país garantiu aos governos locais mais autoridade para multar e prender pessoas dormindo em espaços públicos.
No entanto, o Conselho de Supervisores do Condado de Los Angeles, órgão governante formado por cinco membros, aprovou uma resolução afirmando que pessoas que vivem nas ruas não serão criminalizadas, a não ser que realmente cometam algum crime.
“Ser sem-teto não é crime”, enfatizou o xerife do Condado, Robert Luna.
Neste mês, porém, a organização de direitos humanos Human Rights Watch publicou um relatório criticando a “criminalização cruel e ineficaz de pessoas sem moradia em Los Angeles”.
O plano de Los Angeles
O principal plano de Los Angeles para enfrentar a crise é o programa Inside Safe, lançado em 2022, que envolve transferir moradores de rua para abrigos temporários, geralmente em quartos de hotéis, e posteriormente para moradias permanentes.
Segundo a prefeitura, o programa já chegou a mais de 50 acampamentos de sem-teto, abrigou quase 3 mil pessoas e transferiu mais de 600 para habitações permanentes.
“O Inside Safe é um dos componentes de uma estratégia abrangente que já trouxe mais de 21 mil pessoas para dentro [de moradias ou abrigos temporários] durante o primeiro ano da prefeita no cargo”, diz a prefeitura.
Desde o início do programa, a população sem-teto diminuiu pela primeira vez em seis anos. No entanto, quase 30% das pessoas abrigadas temporariamente acabaram voltando para as ruas, segundo o governo municipal.
Boykoff reconhece que as atuais medidas estão conseguindo diminuir o número de pessoas vivendo nas ruas. No entanto, mesmo se o ritmo de queda for mantido, será insuficiente para acabar com a crise até 2028.
“O temor é que, então, adotem medidas mais drásticas, como as que vimos em Paris. Como colocar os sem-teto em ônibus no meio da noite e levá-los para outras partes do Estado”, diz Boykoff.
Epicentro da crise
No epicentro da crise, em Skid Row, uma parceria entre o Departamento de Serviços de Saúde do Condado de Los Angeles, a prefeitura e a comunidade local pretende oferecer moradia permanente a 2,5 mil pessoas, equivalente a mais da metade dos moradores de rua da área.
Estão previstas centenas de vagas em hotéis de baixo custo, que servirão como moradia temporária, para que as pessoas possam deixar os acampamentos nas ruas enquanto aguardam a transição para habitações permanentes.
A iniciativa também busca melhorar a oferta de serviços de saúde e tratamento de dependência de drogas em Skid Row, que tem a maior taxa de mortes por overdose no condado.
Segundo balanço divulgado em agosto, 1.975 moradores de rua de Skid Row já foram transferidos para moradias temporárias e 990 para habitações permanentes.
De acordo com os idealizadores, desde o início do projeto houve redução de 14% na população em situação de rua em Skid Row e de 22% no número dos que dormem ao relento. Mas, apesar dos avanços, ainda falta muito para transformar a região.
“Sabemos que são necessários mais recursos para ajudar a superar as consequências de desigualdades estruturais e sistêmicas”, disse Hilda Solis, membro do Conselho de Supervisores do Condado de Los Angeles cujo distrito inclui Skid Row, no anúncio dos resultados.
Críticos dizem que as medidas atuais não atacam o foco do problema, que é o alto custo da moradia em Los Angeles.
“Quando as pessoas não podem pagar por moradia, ficam sem-teto”, afirma Sheehan.