- Author, Richard Gray
- Role, BBC Future
Era algo que sempre acontecia quando Simon Gadbois levava sua border collie Zyla para uma viagem de pesquisa.
Eles estavam rastreando animais selvagens que Simon estuda na Nova Escócia, no Canadá, quando Zyla parava de repente, com o focinho no chão.
Antes que Gadbois pudesse intervir, ela rolava animada. Então, o cheiro emergia.
“Caso você nunca tenha sentido o cheiro de cocô de castor antes, é horrível, realmente ruim, e continua fedendo semanas depois”, relata o cientista.
Gadbois estuda o comportamento de lobos, raposas e coiotes no Canadá e treinou Zyla para ajudá-lo a encontrar os animais. Mas, por alguma razão, a cadela demonstrava adorar se esfregar em excrementos de castor nessas viagens.
“Sempre me indaguei por que ela fazia isso”, conta Gadbois.
“Era de se imaginar que isso interferiria na capacidade dela de cheirar e rastrear outros animais mas, claramente, não afetou seu desempenho nem um pouco.”
É uma situação que pode soar familiar para outros tutores de cães — seu amado animal de estimação volta pulando em sua direção, cheirando mal depois de rolar em algo nojento.
Gadbois passou grande parte de sua carreira tentando entender como cães e outros membros da família dos canídeos experimentam o mundo através de seus narizes, mas até o cientista fica às vezes perplexo com o comportamento deles.
Os humanos começaram a domesticar lobos há 23 mil anos e vivemos próximos dos canídeos desde então.
No entanto, apesar dessa longa história juntos, há surpreendentemente pouca pesquisa sobre exatamente por que os cães e seus parentes parecem ter tanta alegria em rolar nas fezes de outros animais.
Uma das principais hipóteses é que o hábito de espalhar cocô em seus pelos é um resquício evolutivo de seus dias como predadores selvagens.
Se for esse o caso, embora possamos tê-los ensinado a sentar, parar e deitar, aparentemente não conseguimos suprimir esse instinto básico fedorento.
“Isso pode ter tido uma função muito importante em algum momento, há muito tempo”, explica Gadbois. “Com o tempo, essa função desapareceu, mas eles permanecem com o hábito.”
Camuflagem olfativa
É sabido que os lobos rolam nas fezes de outras espécies, e até mesmo nas carcaças de animais mortos.
Uma razão popular frequentemente apresentada para esse comportamento é que isso poderia oferecer uma camuflagem olfativa para os predadores terem mais facilidade de chegar às presas.
Mas um estudo de 1986, onde biólogos observaram esse hábito em dois grupos de lobos cativos no Canadá, põe em dúvida essa explicação.
Os pesquisadores deram aos lobos materiais com vários odores diferentes.
Surpreendentemente, os lobos não se mostraram interessados em se esfregar nas fezes de herbívoros como ovelhas ou cavalos. A comida tampouco pareceu atrair.
Em vez disso, os animais mostraram predileção por cheiros artificiais como perfume ou óleo de motor.
Para um animal que pretende disfarçar seu cheiro para caçar melhor, escolher cheirar como algo tão estranho ao seu ambiente natural é surpreendente, para dizer o mínimo.
No entanto, os pesquisadores também descobriram que o segundo cheiro favorito dos lobos eram as fezes de outros carnívoros, como pumas e ursos negros.
Pat Goodmann, zoóloga no Wolf Park em Indiana, nos Estados Unidos, passou muitos anos estudando o cheiro de lobos e notou um comportamento semelhante entre os animais de que cuida.
“Aqui no Wolf Park, os lobos gostam de rolar no cheiro de canídeos e gatos domésticos”, relata.
“Isso levanta uma forte possibilidade de que lobos selvagens também possam rolar no cheiro de predadores.”
Embora os lobos possam ocasionalmente caçar com emboscada, eles mais comumente perseguem suas presas, o que não requer tanta discrição, ela acrescenta.
Então, rolar em cheiros fortes pode ter outro propósito de camuflagem? Em vez de escondê-los da presa, poderia ajudar a evitar outros predadores.
A hipótese é endossada por uma pesquisa publicada em 2016 por Max Allen, um ecologista que na época estava na Universidade de Wisconsin em Madison, e agora está na Universidade de Illinois Urbana-Champaign.
Com câmeras remotas, ele capturou um comportamento incomum de raposas-cinzentas na área de Santa Cruz, na Califórnia.
Normalmente reclusas, as raposas-cinzentas visitavam com frequência locais que onças-pardas machos usavam para marcação de cheiro.
As filmagens mostravam as raposas esfregando as bochechas no chão, que havia sido recentemente marcado com urina de cheiro forte pelas onças.
Allen acredita que as raposas usavam esse odor para se camuflar de grandes predadores como coiotes.
“Os coiotes são muito maiores do que as raposas-cinzentas, mas parecem querer eliminá-las, pois há competição por recursos entre esses animais”, explica Allen.
“As raposas não conseguem revidar, então elas exploram o cheiro da onça para obter alguma forma de proteção. Cheirar como uma onça-parda macho pode dar a elas tempo para escapar.”
No entanto, isso não explica por que canídeos maiores, como lobos, também se esfregam no cheiro deixado por outros predadores.
E é possível que raposas machos estivessem se esfregando na natureza para deixar seu próprio cheiro ali, o que é apoiado pelo fato de que elas tendem a ter glândulas circum-orais perto de suas bocas que secretam uma substância semelhante à gordura.
Quando se trata do seu cão de estimação, pode haver um aspecto mais social no comportamento: eles podem simplesmente estar tentando compartilhar um cheiro interessante com você.
Para animais que parecem experimentar muito de seu mundo através do nariz, essa pode ser uma maneira útil de compartilhar informações com o resto de sua matilha.
Hienas-malhadas, por exemplo, rolam nas carcaças de animais mortos.
Um estudo com hienas em cativeiro descobriu que quando os animais tinham cheiro de carniça em suas peles, tendiam a receber mais cuidados, cheiradas e outras formas de atenção de membros de seu grupo.
Se o odor era substituído pelo cheiro de cânfora, essas interações sociais eram reduzidas.
Similarmente, um estudo com lobos etíopes mostrou que eles tendiam a rolar após uma refeição, embora também fossem vistos rolando em excrementos humanos e no chão onde humanos tinham estado recentemente.
Goodmann diz que seu falecido colega e fundador do Wolf Park, Erich Klinghammer, propôs que o rolamento pode ser uma forma de comportamento não-consciente, em que os animais não necessariamente sabem que estão carregando odores em seu pelo.
Mas Goodmann também notou que o ato de rolar tem uma associação com comida.
“Eu vi nossos lobos comerem pequenos pedaços de alce. Quando eles recebiam um grande pedaço de alce, eles comiam e rolavam no cheiro”, relata a zoóloga.
“Eu especulei que o cheiro de comida no pelo indicava que havia mais sobras para vasculhar, para lobos que quisessem voltar à fonte do odor.”
É provável, no entanto, que haja algumas questões sobre esse comportamento que ainda precisamos entender.
Quando apresentados a diferentes conjuntos de cheiros ao longo de um período de dois anos, os lobos pareciam ser bastante seletivos sobre quais cheiros eles iriam rolar.
Enquanto eles passavam muito tempo cheirando esterco de herbívoros como veados e porquinhos-da-índia, eram os odores incomuns que eles não conheciam que desencadeavam mais o comportamento de rolar, como aromas de curry, alecrim e lã de ovelha.
Os pesquisadores por trás do estudo sugerem que esse comportamento pode ser desencadeado ao se encontrar cheiros desconhecidos e seria uma forma de se comunicar com o resto da matilha.
‘Odor de grupo’
Gadbois acredita, no entanto, que pode haver uma explicação mais simples.
Nas matilhas de lobos que ele estudou no Canadá, o animal líder tendia a ser o primeiro a rolar em um cheiro forte, seguido pelos outros.
“Pode ser que isso seja sobre estabelecer um odor de grupo”, ele aponta.
“Entre os lobos que estudei, se um começasse a se esfregar em algo como uma carcaça de veado, toda a matilha seguiria e faria o mesmo. Eu vi isso em coiotes e raposas na natureza também. Parece se tornar o odor que você compartilha com todos os outros no grupo.”
Essa ideia de compartilhar um odor para aumentar a sensação de “união” também foi vista em cães selvagens africanos: as fêmeas rolam na urina dos machos de um grupo ao qual estão procurando se juntar.
Da mesma forma, os cães selvagens africanos em uma matilha esfregam regularmente as glândulas odoríferas uns nos outros para captar o cheiro.
Isso apoia a ideia de que animais de matilha, como lobos e cães, podem usar o cheiro como uma forma de um animal se inserir em um grupo.
Também pode ser uma forma desses animais melhorarem sua posição social: ao rolar no cheiro de um animal mais velho, o status mais alto pode literalmente passar para eles.
Um estudo recente liderado por Roberto Cazzolla Gatti, biólogo da Universidade de Bolonha, sugeriu algumas explicações mais complexas.
O trabalho que ele e seus colegas fizeram sugere que os lobos são capazes de se reconhecer pelos cheiros.
Os lobos cativos que sua equipe estudou nunca rolaram em seu próprio cheiro, mas rolaram em odores de outros em seu grupo — e também em óleo de anis.
Isso parece indicar que os animais estão cientes “dos odores do ‘outro’ que querem coletar”, diz Cazzolla Gatti.
“O comportamento de rolar pode ter múltiplas funções: mimetismo, sociabilidade e identidade”, acrescenta.
Claro, pode ser que os animais simplesmente gostem de rolar em cheiros fortes.
Uma ideia apresentada pelo especialista em comportamento animal Michael Fox em seu livro Dog Body, Dog Mind, de 2007, é que os cães podem estar simplesmente coletando aromas por prazer, da mesma forma que os humanos borrifam perfume.
O psicólogo canino Stanley Coren também concorda que os cães podem se divertir com os estímulos olfativos de odores que cheiram mal aos nossos narizes.
Ele compara isso a um “senso estético questionável” semelhante a humanos vestindo roupas chamativas e extravagantes.
Qualquer um que tenha observado a reação alegre de seu cão depois de se esfregar em algo nojento entenderá.
Certamente, partes do cérebro associadas a recompensas se animam em cães domésticos quando eles se deparam com um cheiro que reconhecem, como um humano familiar, em comparação a uma pessoa desconhecida.
Isso pode, é claro, ser uma resposta condicionada provocada pelas retribuições com guloseimas.
Os membros da família dos cães também não são os únicos animais a esfregar em objetos com cheiro: sabe-se que os gatos também exibem esse comportamento.
Mais recentemente, descobriu-se que porcos domésticos — outra espécie com um olfato altamente desenvolvido — preferem esfregar-se em óleos vegetais em vez de perfumes sintéticos.
Mas sua motivação por trás disso também permanece um mistério.
*Este artigo é uma adaptação de uma história publicada originalmente pela BBC Earth em 2017. O texto foi atualizado com pesquisas mais recentes